domingo, 8 de janeiro de 2012

João


(foto google)


O meu nome é João. Tenho 10 anos e estou a terminar o 1º ciclo. Os outros meninos falam-me das suas mães.
As coisas que eles dizem são tão bonitas. Já eu...,eu gostava muito que tu gostasses um pouco de mim.
Não sei onde estás nem porque não me queres ao pé de ti.

Durante a noite, chamo por ti. Choro para dormir e faço birras constantes. Há quem diga que sou hiperactivo...
Nesses dias e noites a avó abraça-me e dá-me muitos carinhos, mas estes não são os teus...

A minha existência está a complicar a vida da avó. Ela trabalha muito e priva-se de muitas coisas para que eu tenha as coisas de que preciso.

Às vezes leva-me até o trabalho dela para me distrair. É longe e vamos de autocarro, mas para a minha escola que é mais perto vamos a pé todos os dias.

Custa muito naqueles dias quando chove. Os meus pés nadam na água e logo arrefecem. O frio parece que me corta os lábios e o rosto.

Um dia, depois da avó me deixar lá na minha escolinha, fui esconder-me atrás de uma porta para ver chegar os meus amigos com os seus pais.

Oh mãe, tu não sabes quanto chorei ao vê-los abraçados ao pescoço dos pais...Eram tantos os afectos e eu,...sem pai e sem mãe !...

Escuta-me:
-Não quero roupas de marca nem aqueles brinquedos que custam muito dinheiro. Não sou desses!...

Quero apenas ter o teu colo, poder abraçar-te, sentir o teu calor e aconchego. Desejo tanto adormecer e acordar com o teu beijo...sentir as tuas mãos a aconchegar-me a roupa.

Hoje sentei-me aqui a pensar em ti e porque me deixaste com a avó e o pai. Ele também não tem tempo para mim. Diz ter sempre muito trabalho.

Outro dia, a avó estava tão arreliada comigo, que me disse:
- João, se eu pudesse e soubesse da tua mãe, eu levava-te lá, para junto dela. Talvez assim deixasses de cismar tanto com ela.
Sempre a mesma história...sempre...sempre...é demais...eu já não aguento. Irra...

Pode ser que um dia ela queira vir ver-te!
Que se lembre de ti!
Tem calma, um dia vais ver a tua mãe ou ela virá ver-te a ti...

A avó contou-me que existem muitos meninos como eu e outros ainda pior. Porque será...??

O tribunal entregou-me à guarda da avó. Tu estavas lá e não te revoltaste...será que já não gostas de mim...?

Por favor, vem visitar-me e deixa-me brincar contigo,nem que seja tanto tempo quanto foi aquele em que olhaste para mim no tribunal, sem uma lágrima no teu rosto...

Um beijo do João (teu filho, ainda te lembras ,não lembras?!
Luíscoelho
(texto revisto e rectificado em Janeiro/2012)

Os meus meninos


David e Lia

Os meus meninos são de oiro
Por eles trabalho e luto
Também neles me revejo
Num sonho com que labuto
Aquilo que foi meu desejo

Quero que saibam trabalhar
E que o façam com amor
Quando se ama o que se faz
Os resultados são um primor
São de alegria e de paz 

Ensinei-lhes boas regras
O respeito por obrigação

Que nunca devem desistir
De uma boa razão
Que nos seus dias surgir.

Quero que acreditem neles 
Sem ter de ferir ninguém
Nem esperar por padrinhos
Melhores serão os caminhos 
Que os levam mais além.
Luíscoelho

(texto revisto em Janeiro/2012)

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Ana


Foto google


Entre duas taças de sopa, senti que te aproximavas e que querias contar-me a tua história. A sopa não era nada de especial, mas tudo o que foste dizendo foi pesado demais .

Gostaria de saber porque me escolheste. Lentamente, com a suavidade do vento, confidenciaste-me os teus segredos, pedaços de ti. Notas tão íntimas que não relatas ao teu médico, às amigas de infância nem aos teus familiares.

Todos os dias, pareces ganhar coragem e soltas um pouco dessa cor preta com que te vestes diariamente, protegendo-te.
Olho dentro dos teus olhos e sinto a tua delicadeza e doçura.
Dou comigo a imaginar o quanto serias mais bela antes de te deixares enfeitiçar pelas dúbias palavras de amor que te conduziram a teias de mágoas pesadas e traiçoeiras.

Ao ouvir-te, vou construindo dentro de mim uma outra pessoa, mais bonita. Não consigo deixar de me preocupar com os teus problemas e as tuas angústias.
Imagino a tua dor e o vazio desse mundo onde te escondes, repleto de medos que te perseguem e o sofrimento que tu própria alimentas.

O teu filho, o Carlitos, partiu num momento crucial: quando mais precisavas dele.
Nada, nem ninguém o conseguiu substituir na tua vida...
Aquela estrada foi traiçoeira. Os sonhos que o acompanhavam e iludiam naquele dia, não lhe deixaram ver a carrinha naquela  curva da estrada. Foram estes os seus últimos sonhos.

Demoraste a revelar-me tantos pormenores. Sentia que não confiavas em ninguém. Em ti persiste o medo que alguém possa ainda levar o teu Carlitos, O menino que ainda mora em ti.

Agora já ninguém o alcançará. Transformou-se numa estrela brilhante que te enche a alma de luz. Está perto de ti...e não te quer ver a chorar.
Quer-te mais bonita ainda, para assim, poder emitir o brilho do seu orgulho.

O teu menino continua jovem. Os anos não lhe fizeram as marcas que vemos em nós. Continua também a dar-te razão pela coragem que tiveste ao fugir do pai dele: um homem mau, destruidor de um lar e lentamente de duas vidas. O ciúme também mata.

Queria tanto ajudar-te mas não sei.
Limito-me a ouvir-te e a dizer-te que muito admiro essa tua coragem. 
Lentamente irás conseguindo viver a tua própria vida e naquelas noites sem dormir, quando a saudade aperta os teus pensamentos, terás sempre uma estrela a sorrir para ti. 
Luíscoelho


(Texto revisto e alterado em Janeiro/2012)