sexta-feira, 17 de julho de 2009

Sementeira


Naquelas madrugadas ainda frescas do mês de Abril, o pai levantava-se cedo, calçava as socas de madeira e ia dar a primeira ração de feno seco às suas vaquinhas.Depois carregava o carro de bois com tudo o que era necessário levar para o campo, charrua, grade, uma enxada para cada um, as sementes e ainda o adubo.Depois de ter tudo preparado vinha à cozinha e comia um prato de sopa. Todos comiam da mesma sopa, que nesse tempo era o nosso café.
Como era engraçado quando o pai soltava as vaquinhas para o pátio. Quase sempre, iam á pia grande, beber água e logo o pai as segurava com a açoga que as ligava entre si e sempre na mesma posição. Nunca se podiam trocar a direita para a esquerda ou viceversa pois assim não trabalhavam. Depois ia buscar a canga com as piaças. Era o jugo. Depois de lhes colocar o jugo, era só metê-las a puxar o carro. A canga era uma peça de madeira que se metia no cachaço da vacas e que depois com as piaças enleadas nos chifres bem junto à cabeça do boi ficavam prontas a puxar o carro ou a charrua.
Estava tudo pronto. Nós saltávamos para cima do carro e lá seguíamos a viagem.
A mãe ficava mais tempo pois tinha de arranjar uma merenda e o barril de água para levar e ainda tinha de tratar dos outros animais que ficavam presos todo o dia.
O nosso cão o «fogito» seguia atrás de tudo, de rabo no ar, e sempre muito atento
Os caminhos eram estreitos e ladeados por grandes silvados onde as vaquinhas se encostavam para espantar as moscas que nesta altura apareceiam em grandes quantidades.
Chegados à Lagoa de Água o pai escolhia um sitio para deixar o carro e tirar as vacas para puxar a charrua. Parece que em tempos muito recuados existiu aqui uma lagoa, pouco profunda, de que resta ainda uns dois metros com água todo o ano. Uma vala mais funda que limita o nosso terreno serve de esgoto quando chove no Inverno.
O mais velho, dos quatro filhos, ia à frente dos bois, para segurá-los e guiá-los pelo limite do terreno, abrindo o primeiro rego.
Está tudo pronto, dizia o pai, ora então vamos lá ao trabalho e dizendo isto benzia-se e pedia a Deus ajuda para que o dia corresse bem e sem acidentes !
Nós ouvíamos e também o imitávamos fazendo o sinal da Cruz.
O primeiro rego era sempre mais complicado pois iamos a direito ao extremo da terra, mas não tinhamos marcas para nos guiar.
Estava dado o início do trabalho. Agora era andar toda a manhã para cima e para baixo guiando as vaquinhas pelo rego aberto enquanto o pai segurava a rabiça do arado guiando sempre com aquela tabela para que a terra voltasse para o lado oposto a leiva e o rego ficasse sempre aberto sem emendas para o rego seguinte.
Às vezes as vaquitas torciam para o lado de fora e o pai não conseguia segurar a charrua.
Havia uma repreensão e tínhamos de andar para trás com as vacas de modo a recomeçar o rego no ponto onde saltou fora.- Errada -
A mãe, com o cesto do milho pendurado no braço, lá ia ao lado do pai, semeando alternadamente os regos do milho. Parecia que ia contando os bagos e os passos para que a sementeira ficasse bem feita e sem estragar muitas sementes. Semeavam para cá. Quando voltavam a mãe dáva-nos o cesto com as sementes e vinha adubando o rego atrás da charrua.
O calor e a monotonia davam-nos um cansaço muito grande e só nos apetecia estar à sombra do pinheiro manso ou então voltar para casa.
A meio da manhã paravam uns quinze minutos para dar descanso às vaquinhas e também para matarmos a sede com água e ainda comer alguma coisa. Uma bucha ! Geralmente ovo frito e uma fatia de broa de milho.
Voltando novamente ao trabalho sem perder muito tempo. O descanso era só para as noites longas quando íamos para a cama depois da ceia.
Voltávamos para casa ao meio dia, quando o calor era mais forte.
A mãe acendia uma fogueira para nos fazer o almoço e o pai ia tratava das suas vaquinhas.
Nós aproveitávamos ainda para fazer uns jogos ou umas corridas de esconde esconde.
Depois do almoço havia a sesta. Dormiam nas horas do maior calor.
O pai, antes de dormir, voltava a dar mais uma ração às vaquinhas.
Cerca das três horas da tarde voltava a emparelhar as vaquitas e a metê-las ao carro e lá íamos nós para a sementeira do milho que demorava sempre uns dez dias.
Já rente à noite deixava-se de lavrar a terra para passar com a grade de madeira pelo terreno semeado.
Ficava tudo certo e liso sem sementes à vista dos passaritos.
Era a hora de regressar a casa. Alguns dias deitados no carro de bois adormecíamos pelo caminho.
Então o pai acordáva-nos para virmos para a cozinha para o pé da mãe até que a ceia ficasse pronta.
Três semanas mais tarde o milho já tinha nascido e era necessário sachá-lo, tirar as ervas daninhas e aconchegá-lo com terra para que crescesse melhor.
Aos oitenta dias o milho já estava quase maduro e era necessário tirar as bandeiras para que a espiga ficasse mais forte. Esta parte do milho era aproveitada para dar a comer às vaquitas. Umas vezes comiam-no ainda verde mas a maior parte era guardada seca.
Agora era só esperar mais uns dias para que as espigas acabem por ficar maduras e secas para começar a cortar a palha rente ao chão.
luiscoelho

1 comentário:

  1. Para quem nunca viveu no e do campo isto é realmente fascinante. Obrigada pela partilha. Beijos e óptimo fim de semana.

    ResponderEliminar

Cada comentário é uma presença de amizade